
CARACTERÍSTICAS CARBAMAZEPINA
FarmacodinâmicaClasse Terapêutica1: antiepiléptico, neurotrópico e agente psicotrópico2. Derivado dibenzazepínico. Como agente antiepiléptico, o espectro de atividade de carbamazepina inclui: crises parciais (simples e complexas) com ou sem generalização secundária; crises tônico-clônicas generalizadas, bem como combinações destes tipos de crises. Em estudos clínicos, observou-se que carbamazepina administrada em monoterapia a pacientes com epilepsia3, em particular crianças e adolescentes, exerce uma ação psicotrópica, inclusive efeito positivo sobre os sintomas4 de ansiedade e depressão, assim como diminuição na irritabilidade e agressividade. Com relação às funções cognitivas e psicomotoras, em alguns estudos foram observados efeitos duvidosos ou negativos, dependendo também das dosagens administradas. Em outros estudos, foram observados efeitos benéficos sobre a atenção, memória e funções cognitivas.
Como agente neurotrópico, carbamazepina é clinicamente eficaz em vários distúrbios neurológicos, por ex: prevenção de crises paroxísticas de dor em neuralgia5 idiopática6 e secundária do trigêmeo; além disso, é usado para alívio de dor neurogênica em uma variedade de condições, inclusive tabes dorsalis, parestesia7 póstraumática, e neuralgia5 pós-herpetica. Na síndrome8 de abstinência alcoólica, eleva o limiar convulsivo e melhora sintomas4 de abstinência como hiperexcitabilidade, tremor e deficiência na deambulação9; reduz o volume urinário e alivia a sensação de sede na diabetes10 insípida central.
Como agente psicotrópico2, a carbamazepina provou ter eficácia clínica em distúrbios afetivos, como por exemplo, no tratamento da mania aguda, e também na manutenção do tratamento de distúrbios afetivos bipolares (maníaco-depressivo), quando administrado como monoterapia ou em associação com neurolépticos11, antidepressivos ou lítio, distúrbios esquizoafetivos excitados e mania excitada, em combinação com outros neurolépticos11, e em episódios cíclicos rápidos. O mecanismo de ação da carbamazepina só foi parcialmente elucidado. A carbamazepina estabiliza a membrana do nervo hiperexcitado, inibe a descarga neuronal repetitiva e reduz a propagação sináptica dos impulsos excitatórios.
Considera-se que a prevenção de estímulos repetitivos dos potenciais de ação sódio-dependentes na despolarização dos neurônios12 via bloqueio do canal de sódio voltagem-dependente pode ser o principal mecanismo de ação. Enquanto a redução da liberação de glutamato e a estabilização das membranas neuronais podem ser consideradas responsáveis principalmente pelos efeitos antiepilépticos, o efeito depressivo no turnover (quantidade metabolizada) de dopamina13 e noradrenalina14 poderiam ser responsáveis pelas propriedades antimaníacas da carbamazepina.
Farmacocinética
Absorção: a carbamazepina administrada na forma de comprimidos é absorvida quase completamente, porém, de maneira relativamente lenta. Os comprimidos convencionais apresentam um pico plasmático médio da substância inalterada em 12 horas após uma dose oral única. Com a suspensão, as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 2 horas. Em relação à quantidade de substância ativa absorvida, não há
diferenças clinicamente relevantes entre as formas farmacêuticas orais. Após uma dose única por via oral de 400 mg de carbamazepina (comprimidos), o pico médio de concentração do fármaco15 inalterado no plasma16 é de aproximadamente 4,5 mcg/ml.
A ingestão de alimentos não tem influência significativa na taxa e na extensão da absorção, em relação à forma farmacêutica de carbamazepina. As concentrações plasmáticas de steady-state (estado de equilíbrio) da carbamazepina são atingidas em cerca de uma a duas semanas, dependendo da auto-indução individual pela carbamazepina e pela heteroindução por outros fármacos indutores enzimáticos, bem como do pré-tratamento, da posologia e da duração do tratamento.
Distribuição: a carbamazepina está ligada às proteínas17 séricas em 70 a 80%. A concentração de substância inalterada no líquido cerebroespinhal e na saliva reflete a parte da ligação não-protéica no plasma16 (20-30%). As concentrações encontradas no leite materno foram equivalentes a 25 a 60% dos níveis plasmáticos correspondentes. A carbamazepina atravessa a barreira placentária. Assumindo a completa absorção da carbamazepina, o volume aparente de distribuição varia de 0,8 a 1,9 l/kg.
Eliminação: a meia-vida média de eliminação da carbamazepina inalterada é de aproximadamente 36 horas após uma dose oral única, sendo que após a administração oral repetida, a média é de 16 a 24 horas (sistema de auto-indução da monoxigenase hepática18), dependendo da duração do tratamento. Em pacientes que recebem tratamento concomitante com outros fármacos indutores de enzimas hepáticas19 (por ex.: fenitoína, fenobarbital), a meia-vida média encontrada é de 9 a 10 horas. A meia-vida média de eliminação do metabólito20 10,11-epóxido no plasma16 é cerca de 6 horas após dose oral única do próprio epóxido.
Após a administração de uma dose oral única de 400 mg de carbamazepina, 72% são excretadas na urina21 e 28% nas fezes. Na urina21, cerca de 2% da dose são recuperadas como substância inalterada e cerca de 1% como metabólito20 10,11-epóxido, farmacologicamente ativo. A carbamazepina é metabolizada no fígado22, onde a biotransformação via epóxido é a mais importante, tendo o derivado 10,11-transdiol e seu glicuronido como principais metabólitos23. O citocromo P450 3A4 foi identificado como o maior responsável pela formação da isoforma carbamazepina-10,11-epóxido a partir da carbamazepina. O 9-hidroxi-metil-10-carbamoil acridan é um metabólito20 secundário relacionado a esta via.
Após uma dose oral única de carbamazepina, cerca de 30% aparecem na urina21 como produto final da via epóxido. Outras vias de biotransformação importantes para a carbamazepina levam a vários compostos monohidroxilados, bem como ao N-glicuronido da carbamazepina.
Características individuais: as concentrações plasmáticas de steady-state (estado de equilíbrio) da carbamazepina, consideradas como intervalo terapêutico, variam consideravelmente de indivíduo para indivíduo: para a maioria dos pacientes, relatou-se um intervalo entre 4 e 12 µg/ml correspondente a 17 a 50 µmol/l. As concentrações de carbamazepina-10,11-epóxido, metabólito20 farmacologicamente ativo, foram cerca de 30% dos níveis de carbamazepina.
Em função de maior eliminação da carbamazepina, as crianças podem requerer doses mais altas deste fármaco15 (em mg/kg) do que os adultos. Não há indicação de alteração da farmacocinética da carbamazepina em pacientes idosos quando comparados com adultos jovens.
Não há dados disponíveis sobre a farmacocinética da carbamazepina em pacientes com distúrbio de função hepática18 ou renal24.
Dados de segurança pré-clínicos
Em ratos tratados com carbamazepina por 2 anos, observou-se um aumento na incidência25 de tumores de fígado22. O significado destes achados relativos ao uso de carbamazepina em humanos é, até o presente, desconhecido. Os resultados dos estudos de mutagenicidade em bactérias e mamíferos foram negativos. Em animais (camundongos, ratos e coelhos), a administração oral de carbamazepina durante a organogênese, levou a um aumento da mortalidade26 do embrião em doses diárias que causaram toxicidade27 na mãe (acima de 200 mg/kg de peso corporal por dia, isto é, 10 a 20 vezes a posologia humana usual). Em ratos, também houve evidência de abortamento28 na dose diária de 300 mg/kg de peso corporal. Fetos de ratos próximos do nascimento mostraram retardamento no crescimento, novamente em doses tóxicas para a mãe. Não houve evidência de potencial teratogênico29 nas três espécies de animais testados, mas em um estudo que utilizou camundongos, a carbamazepina (40 a 240 mg/kg de peso corporal por dia, via oral) causou anomalias (principalmente a dilatação dos ventrículos cerebrais) em 4,7 % dos fetos expostos, quando comparados com 1,3 % do grupo-controle.
Resultados de eficácia
A carbamazepina é tratamento inicial de escolha para crises convulsivas com ou sem generalizações secundárias. Não recomendada na crise de ausência, pequeno mal e crises mioclônicas30. Na monoterapia para epilepsia3 a carbamazepina controla crises em 75% a 85% dos pacientes, diminuindo a freqüência das crises em mais de 75%. Outros estudos relatam ser a carbamazepina tão eficaz quanto a fenitoína na terapia das convulsões iniciais em adultos com crise tônico-clônicas generalizadas. A formulação de liberação lenta oferece menos efeitos colaterais31 relativos aos picos de concentração do fármaco15, melhor controle das crises convulsivas e melhor comprometimento do paciente com a terapia. A eficácia é semelhante para crianças e adolescentes. Podendo inclusive ser eficaz em casos refratários32 a outros tratamentos convencionais nas crises complexas ou simples.
Nos casos de síndrome8 de abstinência alcoólica, a carbamazepina provou-se eficaz no tratamento da ansiedade, disforia33, somatização34 causadas por essa condição. Diversos autores afirmam que a carbamazepina pode ser utilizada como alternativa do tratamento convencional por benzodiazepínicos, especialmente em sintomas4 leves e moderados da abstinência, inclusive na prevenção de possíveis crises convulsivas tônicoclônicas referentes à retirada do álcool. Em alguns casos de abstinência alcoólica pode ser necessária a associação com benzodiazepínicos.
No tratamento de distúrbios afetivos bipolares, a carbamazepina tem evidenciado eficácia clínica, quando administrada como monoterapia ou em associação com neurolépticos11, antidepressivos ou lítio. Em diversos casos de mania refratária a tratamento, a associação
de lítio e carbamazepina foi mais eficaz que cada agente isoladamente. A carbamazepina controla a poliúria35 característica do diabetes10 insípidus. Sete entre nove pacientes com diabetes insipidus36 foram tratados com sucesso com doses diárias de 600 a 1200 mg de carbamazepina por 7 a 10 dias, em um estudo controlado.
A resposta positiva foi observada pela diminuição da ingestão de água e volume urinário. Observou-se que a carbamazepina (200 a 600 mg diários) aumenta o ADH plasmático entre 0,4 mcg/mL e 3,8 mcg/ml.
Como agente neurotrópico, a carbamazepina é clinicamente eficaz nas crises paroxísticas de dor em neuralgia5 idiopática6 glossofaringeal e neuralgia5 do trigêmeo terapêutica1 na qual foi droga de escolha por muitos anos. A neuropatia37 diabética dolorosa, apesar de não responder adequadamente aos tratamentos atuais, tem sido tratada com algum sucesso com carbamazepina e outros anticonvulsivantes.